O envelhecimento da classe docente também se reflecte no seu retrato académico: a esmagadora maioria dos docentes em exercício tem licenciatura pré-Bolonha, quando ainda não era necessário um mestrado em ensino para exercer a profissão. Mas a idade não explica tudo. “Um professor que tenha o grau de doutor não tem qualquer vantagem de progressão, remuneração ou reconhecimento na escola onde lecciona”, sublinha investigadora.
Doutoramento ou mestrado continuam a ser habilitações pouco frequentes entre os professores do ensino básico e secundário, como comprovam os dados do último Perfil do Docente publicado recentemente pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).
Apesar de os mestrados em ensino serem obrigatórios desde 2007 para o exercício da função docente, só 12,7% dos professores do ensino básico e secundário e educadores de infância — em Portugal continental — eram titulares de um doutoramento ou mestrado em 2020/21, ano a que reportam os últimos dados publicados.
Tendo em conta a idade média dos professores (52 anos), este retrato das habilitações académicas da classe docente evidencia que a maioria dos professores em exercício detém licenciatura realizada antes da reforma de Bolonha. A posse de uma licenciatura pré-Bolonha apenas confere, actualmente, a chamada “habilitação própria” para a docência, o que inviabiliza que os seus titulares possam candidatar-se aos concursos nacionais de colocação de professores.
Para serem professores têm de ser contratados directamente pelas escolas e apenas na ausência de docentes com habilitação profissional, que é conferida pelos mestrados em ensino e se tornou a condição para o exercício da profissão.
Quer isto dizer que a maioria dos 150 mil docentes em funções no ensino público e privado teria de ser alinhada na primeira excepção caso não estivesse já a dar aulas? Seria assim se a maioria não tivesse acrescentado à licenciatura a chamada “profissionalização em serviço”, que é alcançada através de um curso de um ou dois anos numa instituição do ensino superior, reconhecida para o efeito pelo Ministério da Educação.
Professores de Educação Física mais “qualificados”
Estes cursos, que incidem essencialmente sobre práticas pedagógicas, não conferem qualquer grau académico, mas garantem a habilitação profissional a quem os conclui. Este percurso é válido para quem tenha pelo menos seis anos efectivos de serviço docente, o que abrange a quase totalidade da classe docente.
Garantida esta qualificação, não são necessários outros graus para prosseguir na carreira docente, o que pode ser uma das razões para que 80,6% dos professores do ensino não superior detenham “apenas” o grau de licenciado ou equivalente, que, antes de Bolonha, equivalia a um curso com uma duração de cinco anos. Cerca de 6,6% têm ainda o grau de bacharel, que podia ser atribuído a quem só concluía os primeiros três anos destas licenciaturas, uma duração igual à que têm agora os cursos deste nível de formação.
Mas há outro motivo de peso para este “desinteresse” por mais graus académicos, aponta a investigadora do ISCTE-IUL Isabel Flores: “A inexistência de estímulos na carreira docente que surjam por esta via.” “Um professor que tenha o grau de doutor não tem qualquer vantagem de progressão, remuneração ou reconhecimento na escola onde lecciona.” Isabel Flores defende por isso a criação de “estímulos quer a nível de escola quer a nível central, que proporcionem o desenvolvimento de projectos que envolvam a academia e o terreno e, ao abrigo dos quais, seja vantajoso e estimulante para os professores regressar à formação académica”.
Os dados da DGEEC mostram também que, entre os grupos com mais professores no 3.º ciclo e secundário, o de Educação Física é o mais “qualificado”: 24,6% dos seus docentes têm um mestrado ou doutoramento. Seguem-se-lhe os grupos de Física e Química (17,9%), Biologia e Geologia (17,8%), Matemática (14,8%) e Português (14,3%). Por nível de ensino verifica-se que a maior percentagem de doutorados ou mestres se concentra no 3.º ciclo e secundário (16,6%) e que a menor (4,1%) se regista entre os educadores de infância.
Envelhecimento sobe em flecha
O que o novo relatório da DGEEC também confirma é que o envelhecimento da classe docente não tem parado de se agravar. Nem poderia ser de outra forma, já que mesmo a maioria dos professores que têm entrado recentemente para o quadro está entre os 45 e os 50 anos de idade. E os que chegam às escolas com 30 anos ou menos quase nem se vislumbram: no ensino público são 1345 num universo de cerca de 121 mil docentes.
E é assim, por exemplo, que a proporção dos professores do 3.º ciclo e secundário que têm 50 anos ou mais acabou por aumentar mais de 100% em apenas nove anos. De 25,7% em 2010/2011 passou para 55,3% em 2020/2021. Nos grupos de recrutamento mais numerosos do 3.º ciclo são os professores de Português os mais envelhecidos: a sua idade média está nos 53 anos. Os mais “jovens” são os de Educação Física, com a média a fixar-se em 48 anos.
Os educadores de infância são responsáveis por crianças dos três aos cinco anos, mas este grupo é o que tem a idade média mais elevada entre os professores de todos os níveis de ensino: 54 anos. No privado ronda os 43 anos. Em conjunto com os do 1.º ciclo, os educadores de infância são também os que têm uma carga lectiva maior: 25 horas de aulas semanais por contraponto às 22 horas em vigor a partir do 2.º ciclo.
Isabel Flores lembra que “este envelhecimento está intimamente ligado às mudanças de legislação que atrasaram as reformas dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo, fazendo com que estes fiquem até mais tarde”. Mas salienta o seguinte: “A investigação tende a mostrar que os educadores e professores mais velhos, com mais experiência, são os mais pacientes e seguros na sua prática profissional, sendo estas variáveis apontadas como vantagem ao sistema.” Ou seja, especifica, “a idade por si não deve ser encarada como um problema, mesmo quando é para lidar com crianças mais novas”.
Mais mulheres em carreiras precárias
O certo é que o número de professores em situação de baixa médica é maior tanto na educação pré-escolar como no 1.º ciclo, onde a idade média dos professores do ensino público ronda os 50 anos. É o que têm mostrado as contratações de professores que estão a ser feitas para substituição de docentes de baixa. Ainda na semana passada, dos 1673 que foram colocados com este fim em 26 áreas, 722 estavam nos grupos de recrutamento do pré-escolar e do 1.º ciclo.
Também o ensino superior se confronta com o envelhecimento acentuado da sua classe docente, embora a níveis ainda inferiores ao que regista nos outros níveis de ensino. Entre 2010/11 e 2020/21, a proporção de docentes do superior com 50 ou mais anos passou de 31,2% para 46,8%. A idade média ronda agora os 48 anos.
Quanto ao resto, são muitas as diferenças entre o ensino básico e o secundário e uma de monta é a que tem que ver com o peso de cada género entre os professores. Nos ciclos de ensino mais baixos, as mulheres continuam a dominar a classe docente, variando a sua percentagem entre 99,1% na educação pré-escolar e 71,8% no 3.º ciclo e secundário.
Já no ensino superior a situação é a inversa, com os homens a manterem o domínio em todas as categorias à excepção da carreira de investigação, onde o peso das mulheres sobe para 62%. E isto acontece porquê? “É um mistério”, comenta Isabel Flores, lembrando que neste campo “Portugal se comporta de uma maneira em contraciclo face aos restantes países da OCDE, onde a investigação é também ocupada predominantemente por homens”. Mas há razões que poderão justificar esta situação: “A carreira de investigação actualmente caracteriza-se por uma maior precariedade em comparação com a carreira de professor, e julgo que essa pode ser uma justificação para os homens preferirem e ambicionarem a um lugar de professor deixando a investigação para as colegas.”
Sobre a feminização da classe docente no ensino não superior, a investigadora sublinha que esta tendência se foi acentuando “à medida que a educação se foi universalizando, de forma a crescer ao menor custo possível”: “Como era possível pagar menos a mulheres para ensinar, a profissão de professor vai progressivamente ganhando um cariz maternal nos níveis mais baixos de ensino e afastando-se de competências de conhecimento avançado. Este movimento não é recente nem exclusivamente português.”
Fonte: Jornal Público (19/9/2022)